Quem opta por viver em um condomínio pensando apenas na questão de segurança pode se deparar com um “universo” de regras e deveres até então desconhecidos. Exemplo disso são as diretrizes para uso das áreas comuns, a proibição em certos casos de ter acesso a essas áreas, a figura do síndico, bem como a quem cabe a responsabilidade em casos de roubos ou furtos
Sobre o assunto, o presidente da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB-MT Jorge Luiz Miraglia Jaudy concedeu entrevista ao portal e explicou como funciona a hierarquia de normas em um condomínio. Jaudy explica que essas regras são estabelecidas pelo Código Civil, na convenção de condomínio, no próprio regimento interno do condomínio e por meio das decisões deliberadas em assembleia por todos os condôminos. Confira abaixo trechos da entrevista.
Quais são as regras e deveres em um condomínio?
Em primeiro lugar a lei vai ditar as regras básicas de convivência e de instituição do próprio condomínio. Em sequência temos a convenção de condomínio, que é aquilo que a gente pode chamar de nascimento do condomínio propriamente dito, seguido do regimento interno e as decisões tomadas em assembleia. Todo esse arcabouço jurídico normativo vai regrar a conduta dos condôminos, assim como a sua convivência, direitos, deveres.
Gilberto Leite
Jorge Luiz Miraglia Jaudy fala ao Rdnews sobre os direitos e deveres de quem reside em condomínios
O Código Civil traz as regras básicas necessárias para que o condomínio possa funcionar adequadamente. A partir dessas regras básicas cada condomínio tem a liberdade de normatizar cada situação conforme lhe convier, desde que sejam respeitadas as condições legais. Por exemplo, o síndico tem mandato de até dois anos. Essa limitação é prevista em lei, não pode haver uma convenção de condomínio que estabeleça um mandato superior a esse período
Qual a função do síndicono condomínio?
O síndico tem várias funções e obrigações. O Código Civil também traz uma série de atribuições. As principais delas: convocar as assembléias, representar o condomínio ativa e passivamente seja em juízo ou fora dele. É o síndico quem fala pelo condomínio, faz cumprir as convenções, os regimentos internos e as determinações em assembléia. Ele quem deve zelar pela conservação das unidades comuns e dos serviços que são prestados pelos fornecedores de serviço aquele condomínio.
O síndico tem salário?
Não necessariamente tem salário. A lei não determina a exigibilidade de que ele tenha salário. O que ele precisa em realidade é prestar contas de todo volume financeiro que ele administra. Agora, via de regra, as convenções estipulam uma isenção no pagamento de taxa condominial e algumas vezes até um valor pecuniário a título de remuneração pelo serviço que é prestado por aquele condômino. Lembrando que a lei permite que o condomínio estabeleça ou eleja um síndico que não seja necessariamente condômino, pode ser um síndico administrador, que seja um síndico profissional e assim ele contrata uma empresa para prestar esse tipo de serviço. Aí, nesse caso, evidentemente que essa empresa vai ser remunerada para isso.
Ao síndico cabe cobrar multas?
Com certeza. No momento em que ele tem o poder de zelar pela manutenção da ordem de um condomínio ele deve aplicar as sanções previstas na convenção e regimento interno. O síndico também precisa zelar pelo pagamento das contribuições condominiais, as taxas, fundo de reserva, etc.
Uma vez que há uma inadimplência o síndico pode exigir do condômino inadimplente multa de 2% sobre o valor devido, correção monetária e juros legais de 1% ao mês. Essas sanções estão previstas em lei e o síndico tem por obrigação de sua função zelar pelo cumprimento dessas obrigações.
Quais as sanções mais pesadas?
Uma vez que não haja o pagamento dessa contribuição o condômino está sujeito a um processo de execução. Nós tivemos uma alteração recente no Código de Processo Civil que abreviou o procedimento para cobrança dessas dívidas de contribuições condominiais. Antigamente o síndico tinha ao seu dispor uma ação de cobrança, que é uma ação um pouco mais demorada para resgate desses créditos, demorava uns cinco anos.
Agora você tem ao seu dispor uma ação de execução, ela é muito mais abreviada. Você ingressa em juízo intimando o condômino inadimplente a pagar sob pena de uma penhora já, uma constrição patrimonial. Traduzindo, um bloqueio de conta corrente, etc. Em determinadas extremas pode ser penhorada, inclusive, a unidade autônoma daquele condômino inadimplente
Para que serve a taxa de condomínio?
O valor da contribuição serve principalmente para manter todos os serviços que são destinados à manutenção das áreas comuns, incluindo serviço de segurança, limpeza, manutenção, elevadores, portões, todo esse sistema que permite que os condôminos convivam harmonicamente. Além disso, os condomínios costumam estabelecer um fundo de reserva, que é uma maneira de destacar do orçamento uma reserva financeira para eventos extraordinários, emergenciais, ou mesmo para a constituição de obras que possam valorizar o condomínio.
Para o reajuste é realizada anualmente uma assembléia ordinária para a prestação de contas do síndico e deliberação desses reajustes.
Quem não paga condomínio pode participar de uma assembléia, mas não pode votar?
Só pode participar e votar nas assembléias o condômino que esteja adimplente. O inadimplente pode até participar das reuniões, mas não vai poder votar. Isso quem determina é o Código Civil.
Em caso de roubos e furtos dentro do condomínio, a responsabilidade é de quem?
Essa questão é bastante controvertida. Se esse roubo ou furto acontece em uma área comum, os Tribunais têm entendido que existe a obrigação do condomínio em arcar com esses prejuízos, mas não dá para afirmar categoricamente, depende muito do caso concreto.
Como funciona a destituição de síndico?
Para destituir um síndico precisa convocar uma assembleia especificamente para essa finalidade e, por maioria absoluta dos membros, destituir o síndico que praticar qualquer irregularidade. Por exemplo, não prestar contas e não administrar convenientemente o condomínio.
O que o Código Civil diz sobre incomodar os demais moradores?
Um dos deveres de todos os condôminos é não utilizar sua unidade ou partes comuns de maneira prejudicial ao sossego, à salubridade e à segurança dos possuidores ou os bons costumes. Ou seja, todo condômino, independente do que esteja previsto nas convenções e regimentos internos, tem por obrigação zelar por esses itens.
Gilberto Leite
Especialista esclarece dúvidas frequentes sobre direito a ter animais de estimação e lei do silêncio
Então, por exemplo, um som alto é passível de punição desde que previsto na sua convenção. O regimento interno precisa prever as condutas vedadas e as penalidades impostas. O que o Código determina é apenas um limite para essas penalidades. Então aquele condômino que infringe qualquer disposição dessa natureza, o Código Civil limita a multa em até cinco vezes o valor da taxa condominial.
Em caso de reiteração dessa conduta, o Código também prevê a possibilidade de condenação em até 10 vezes o valor atribuído à contribuição condominial. Esse seria um limite. Agora isso tudo estamos falando da multa. O Código também permite a cobrança por eventuais perdas e danos oriundos daquele fato.
Animais de estimação, pode?
Uma questão super polêmica são os animais de estimação. Existe muita discussão a respeito disso. Muitos condomínios estabelecem em seus regimentos internos a possibilidade de você possuir um animal de pequeno porte, essa é a expressão que usam. Só que é difícil às vezes estabelecer, primeiro, o que é um animal de pequeno porte? O que mais importa não é nem tanto se o animal é de pequeno porte, o que vai importar é exatamente se esse animal está causando algum transtorno para aqueles itens de segurança, salubridade para os demais condôminos.
Sendo infringida essa norma, ainda que seja um animal de pequeno porte você pode ser penalizado. Os Tribunais superiores têm decidido pela impossibilidade de vedação de ter um animal de estimação. Porque alguns condomínios chegam a vedar completamente qualquer espécie de animal.
Funciona até que um condômino ingresse com uma ação. Porque os Tribunais têm entendido que você tem direito à propriedade e uma vez que você é dono daquele animal de estimação você precisa usufruir desse direito de ter um animal, então um condomínio não poderia proibir totalmente.
O que é previsto para casos de som alto nas áreas comuns?
Qualquer condômino que vá interferir no sossego dos seus vizinhos pode ser advertido. Independente inclusive do horário. “Ah, mas até às 22h pode”. Claro que a gente tem uma tolerância maior durante esse período, das 8h às 22h, mas a rigor não há nada que impeça que um barulho excessivamente alto seja reprimido ou que o síndico faça uma advertência dependendo do horário. Evidentemente que no período noturno aquele nível de tolerância abaixa.
Para esse tipo de reclamação não precisa estar adimplente, mas precisa para usar as áreas comuns, desde que previsto em convenção e desde que não sejam áreas essenciais. “Por exemplo, você não pode proibir o condômino de usar o elevador, por exemplo. Agora, academia, piscina, desde que previsto em convenção é possível”.
Quais são os tipos de obras?
Existem três tipos de obras, as necessárias, as úteis e as supérfluas. Para as necessárias o síndico, a rigor, não precisa de autorização. As obras úteis, que vão acrescer a utilidade daquele bem, por exemplo, uma piscina, churrasqueira, salão de festa, reparo, essas tem que ter aprovação da assembléia, por maioria aprova. Para as supérfluas precisa de dois terços de aprovação.
Por Eduarda Fernandes